terça-feira, 5 de janeiro de 2021

 

100 anos de Friedrich Dürrenmatt

Uma gaveta aberta, por descuido. Um pregador, que é visto ao lado de um cão, em ruas escolhidas sem nenhuma lógica. Um túnel que se assemelha a um labirinto. Um carro que quebra numa pequena cidade, e o aleatório leva seu ocupante a um jogo mortal, permeado pelo grotesco. Estamos falando, respectivamente, de temas contidos nas obras “O juiz e seu carrasco”, “O cão”, “O túnel” e “A pane”, algumas das muitas obras do genial escritor suíço, Friedrich Durrenmatt. Hoje, 05/01/21, ele, que nos deixou em 1990, completaria 100 anos. Dürrenmatt se foi, mas deixou um legado de valor inestimável para nós, leitores. Embora não seja muito conhecido no Brasil, algumas de suas obras são leitura obrigatória nas escolas dos países de língua alemã. Mais conhecido no Brasil por sua obra teatral, especialmente por “A visita da velha senhora”, obra que dizem que inspirou Jorge Amado a dar vida a sua Tieta do Agreste, é também autor de romances policiais, contos e novelas. Filho de um pastor protestante, encontramos, em algumas de suas obras, críticas e questionamentos religiosos, ainda que implícitos, o que torna sua obra ainda mais interessante, por conta de suas origens. Dürrenmatt possuía também um forte laço com as artes plásticas, passando parte de sua vida em dúvida sobre ser pintor ou escritor. Embora suas pinturas tenham seu valor, é sua faceta de escritor que mais se destaca e que o faz conhecido do grande público. Após ler a obra “A pane”, enfeitiçada por ela, comentei sobre ela com minha professora de Teoria da Literatura, que não titubeou em dizer – Isso é muito kafkaniano! – e sim, depois de eu entrar em contato com a obra de Kafka, constatei que Dürrenmatt, fatalmente, leu Kafka. Entretanto, além desse tom kafkaniano, esse escritor nos mostra como o acaso e o aleatório estão presentes em nossas vidas, mesmo sem percebermos, e que talvez tenhamos sidos realmente jogados neste labirinto que é nossa vida, seja por um ser superior, seja pelo acaso. E que tal nos jogarmos no labirinto da obra literária de Dürrenmatt?

segunda-feira, 9 de novembro de 2020


No próximo dia 27, ocorrerá, mais uma vez, a Black Friday, que acontece no Brasil desde o ano de 2.010.

Não perca a Black Friday da Degustadora de Histórias!

Você conhece a verdadeira história de como surgiu a Black Friday?

Todo ano, nesse período, são divulgadas fake News, por meio do aplicativo Whats App e das redes sociais, afirmando que a Black Friday teria surgido em 1.904, em referência ao dia em que os senhores vendiam os escravos em liquidação. Essa história é completamente falsa, e foi compartilhada por milhares de pessoas na data de ontem, e levou um grande número de pessoas a acreditar que se tratava de uma história verdadeira.

A real origem do termo Black Friday não é um consenso, mas há algumas hipóteses, que não incluem essa fake news dos escravos. Uma das hipóteses seria que a expressão “Sexta-feira Negra” teria nascido no final do século XIX, após duas instituições financeiras terem quebrado no mesmo dia, em plena corrida do ouro, numa Sexta-feira. Há uma outra hipótese (mais aceita), defendida pelo linguista Bem Zimmer, de que o termo foi criado por policiais da Filadélfia, na década de 1960, para se referir ao dia após o feriado do Dia de Ação de Graças, em que o trânsito se tornava um caos. Segundo Zimmer, o fluxo de veículos, por conta da folga prolongada, aumentava demais, surgindo então o termo “Sexta-feira negra”. Como o trânsito ficava parado, os lojistas aproveitavam para realizar liquidações e atrair as pessoas que passavam pelo local. Assim, essa referência ao trânsito se deslocou para uma referência ao local das ofertas, se tornando uma tradição.

Não repasse fake news! Confira sempre a veracidade de uma história! E participe de nossa Black Friday!!! Esperamos vocês.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

 

De maneira diferente da de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft também entra na alma e no estado psíquico do leitor. Considerado um dos reis do terror, Lovecraft sabe como fazer o leitor questionar a realidade do seu universo literário.

Com contos pertencentes ao gênero fantástico, Lovecraft faz de “O chamado de Cthuluhu” uma de suas obras-primas. No livro que traz este conto como título e ainda entrega doses aterrorizantes em alguns outros, o leitor pode experimentar um frio na espinha e aquele pequeno medo que nos acompanha quando lemos algo que nos leva ao desconhecido.

Por descrever apenas descobertas que não são palpáveis ou concretas, Lovecraft faz o leitor se cobrir à noite e não abrir os olhos por medo de encarar alguns dos monstros ou ideias que estavam nos contos. O desconhecido sempre assusta, mas Lovecraft o faz imensurável e sempre presente.

Seja por ousadia ou ignorância, as personagens de Lovecraft sempre se deparam com o inexplicável, e o narrador deixa o leitor em uma angústia que o persegue até depois da leitura. Nos sete contos deste livro, o leitor acompanha as personagens, suas dúvidas e suas reações diante do terror cósmico que lhes é apresentado.

Alguns dos contos – os mais curtos – parecem ser mais assustadores. Talvez isso ocorra devido à intensidade que o narrador lovecraftiano deposita em suas palavras. Entretanto, é o mais longo e mais clássico deles, que intitula o livro, que foi a sua porta de entrada para o mundo onde reinam nomes como Stephen King e Edgar Allan Poe.

Assim como sua inspiração foi Poe, Lovecraft tornou-se inspiração para vários outros autores de livros de terror e diretores de filmes do mesmo gênero: sua atmosfera claustrofóbica e cosmicamente sombria deixou como herança o medo que não sabemos de onde vem e que, quando percebemos, invade nossos corpos e tira nosso sono. Lovecraft não é para muitos, mas os que o leem com mente aberta e luzes acesas, geralmente, o amam.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

Renegado pelo pai adotivo e alcoólatra inveterado, Edgar Allan Poe possivelmente também sofria de doenças mentais que, na época, não foram tratadas e nem sequer descobertas. Sua vida, permeada pela tragédia e pelos finais infelizes, é objeto de curiosidade e geralmente ligada à sua obra por vários estudiosos. A maldade encontrada em sua obra é atribuída, por muitos, ao seu frágil estado mental, que se deteriorou muito rapidamente devido à bebida. Edgar Allan Poe é o epíteto de uma alma atormentada e do poder literário que ela pode ter.

Em meio a tantas histórias de horror e de terror, o que mais assombra nos contos de Poe é o fato de todos mostrarem que a maldade humana não é apenas possível, mas que, em algum momento, pode se transformar em algo natural também. Seus mais famosos contos trazem personagens que foram emparedados vivos, ou que foram mortos devido a um olho com catarata, ou que sofreram a vingança de um suposto amigo, ou que foram enterrados vivos, ou que se tiveram seus dentes arrancados a marteladas, ou que talvez tenham cometido incesto. As mulheres de seus contos nunca são saudáveis e sempre levam o homem a algum tipo de loucura ou crime, cometido no calor de uma situação ou depois de muito tempo sendo assombrados por ideias oníricas.

Seus poemas também trazem o tormento da alma e não permitem que o leitor os termine sem aquela sensação de ter o coração afundando ou de sentir arrepios na espinha. “O corvo” transformou-se em uma ode à angústia e ao medo e, juntamente com “Annabel Lee”, traz ao leitor um outro lado de Poe, mas que não é menos aterrorizante que o Poe das narrativas. Os contos “O gato preto” e “O coração denunciador” – também encontrado como “O coração delator” – sussurram ao leitor a dor sentida por um autor que jamais foi compreendido e que, por isso, tornou-se um gênio da escrita e da crueldade.

Aos 40 anos, Poe deixou o mundo e um legado: histórias que jamais seriam esquecidas por sua perversidade e pelo efeito duradouro que elas causam em seus leitores. Ao partir, Poe levou com ele toda a dor que ele carregou durante a sua vida, mas não sem antes macular o mundo com a sua ideia de que o ser humano não tem salvação e que o amor, quando existe, faz com que adoeçamos. Se Poe o tivesse encontrado, hoje, talvez, não teríamos as mais bem escritas histórias de terror psicológico do século XIX. Entretanto, isso é apenas uma especulação, pois Edgar Allan Poe já está no inconsciente coletivo, com todas as nuances da maldade humana, que variam de uma machadada na cabeça a uma na alma, sendo igualmente destruidoras. Jamais saberemos o que teria sido dele se ele tivesse sido realmente amado...

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 

Escrito por Lucy Montgomery, em 1908, que baseou suas linhas vagamente na história real de um casal de irmãos que queria adotar um menino, mas que, por engano, recebeu uma menina, “Anne de Green Gables”, até hoje, encanta leitores de todas as idades. Tido como leitura infantojuvenil escolar obrigatória no Canadá e em várias partes do mundo, o livro apenas ganhou notoriedade no Brasil com a sua adaptação para a série de três temporadas da Netflix, que levou o título de “Anne with an E”, que é como a órfã se apresenta a todos. O motivo de o título ser esse é que histórias de crianças órfãs, clichês, no Canadá, são chamadas de  “Histórias de Ann”. Essa Anne, no entanto, é completamente diferente, e suas aventuras e histórias são únicas. Seu nome não poderia ser diferente e teve a letra acrescentada.

Anne Shirley é adotada por Marilia e Matthew Cuthbert por engano, pois ambos, solteiros e idosos, gostariam de um menino para ajudá-los a cuidar das terras que possuem. Matthew se encanta por Anne desde o início apesar de sua personalidade e da de Anne serem opostas. Marilia, a princípio arredia à ideia de manter uma menina tão falante e tão vivaz quanto Anne, acaba cedendo aos apelos do irmão e não se arrepende: é Anne que tira o morno de sua vida e lhe traz alegrias e uma nova visão sobre a vida. Aliás, é Anne que devolve a vida aos dois, já que eles apenas sobreviviam, e não viviam, antes de sua chegada.

Anne, que não conhecia o amor incondicional – tampouco o amor em si – recebe dos irmãos o mais puro sentimento do mundo e o retribui de todas as formas. Por ser uma menina de alma inquieta, porém angelical, Anne acaba por se encontrar como pessoa na fictícia Avonlea, onde faz amigos com facilidade e dá vazão a toda sua generosidade, imaginação e potencial de inteligência reflexiva. Anne pode ter sido órfã até que seu caminho cruzasse com o de Matthew e de Marilia, mas o contrário também é verdadeiro. São os dois que são adotados pelo amor, pela alegria e pela devoção de Anne.

De suas muitas aventuras ainda pueris e inconsequentes, o que se tira de mensagem é a leveza que uma alma leve e antiga carrega consigo. A de Anne é ambas as coisas e se torna contagiante. Sua fala rápida, divertida, dramática e única tornam-se uma constante na vida de seus vizinhos, de seus amigos e daqueles que ela tem como pais e como exemplo. Assim como acontece na vida real, Anne, com todo o seu coração, também se transforma em exemplo com suas atitudes originais e críticas, porém repletas de pureza e de generosidade, e, em pouco tempo, cativa o leitor com um perfume que tem a fragrância da bondade, do altruísmo e da gratidão.  

“Anne de Green Gables” é o primeiro livro da série “Anne” e ele deixa o leitor com vontade de ter dado as mãos à sua protagonista e se aventurado pelos campos e pela escola de Avonlea. O leitor sorri em cada linha e, se porventura, seu coração estiver um pouco pesado devido às agruras do dia a dia, ele sentirá como se um anjo fosse substituindo esse pesar por uma esperança quentinha e gostosa, encontrada em tardes ensolaradas de primavera. Esse é o efeito Anne em todos aqueles que querem o Bem sempre ao seu lado. 

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

 

A eterna menininha de 6 anos perdeu seu pai hoje. Mafalda, ícone das reflexões sobre um mundo melhor, que Quino não conseguiu ver, foi criada em 1964 e teve vida até 1973.

Em apenas 9 anos de existência, Mafalda se imortalizou e se tornou inspiração para muitos outros cartunistas e gerações de pessoas que nem sequer haviam nascido quando ela deixou de existir.

O argentino Quino nunca deixou de lutar por um mundo que ele sonhava para Mafalda e para todos nós. O AVC o tirou do nosso mundo, mas nosso mundo jamais deixará que seu legado seja esquecido. Quino vive em Mafalda, e Mafalda vive em nós.

Como Mafalda questionaria "O que é a morte se não uma continuação daquilo que chamamos de vida? E, afinal, o que chamamos de vida?". Sendo assim, parta em paz, Quino. Sua vida foi uma missão cumprida. A luta continuará. Não se preocupe!!!!!! 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

 

Valter Hugo Mãe, autor nacionalizado português, que completará 49 anos nesta sexta-feira, dia 25 de setembro, tem a escrita de um pássaro que conhece o mundo. Cada um de seus romances tem como pano de fundo um país diferente e um tipo de amor que não se prende apenas ao mundo que conhecemos como ele é. Seus romances nos tocam e se deixam ficar, como cicatrizes em nossas almas, depois de sua leitura. Dos vários que ele já escreveu, “A desumanização” deixa uma marca que levamos para sempre conosco.

Tão dolorosa quanto triste é a história de Halla, criança-mulher de 12 anos, que perde a irmã gêmea, Sigridur, que morreu e foi plantada “para nascer árvore”. Passando a ser invisível para a mãe e para a aldeia finlandesa onde mora, Halla sofre a dor do luto sozinha, apenas com os poemas que o pai escreve para ela e as lembranças da irmã. O que poderia ser uma vida vivida a quatro mãos, duas almas e duas risadas passa a ser meia vida, com andanças por campos e pensamentos no que poderia ter sido, carregando o fardo da culpa de ser a irmã sobrevivente.  

Ao longo da história, enxergamos a aldeia e seus moradores com os olhos de Halla-Sigridur. Halla ainda não consegue ser apenas ela já que, durante toda a sua curta existência, ela era Sigridur e Sigridur era ela. Como gêmeas, uma não existia sem outra, e Halla, repentinamente, deve aprender a existir apesar de suas dores e de sua falta de vontade. Halla, de ser completo que era, passa, então, a se procurar na sua incompletude, encontrando razões para viver onde Sigridur não as via. Essa é a maneira que Halla encontra para existir: abandonando o que ela e a irmã pensavam e faziam juntas. Já que uma se foi, a vida passa a ser o que o passado não era, e Halla encontra formas de se punir para poder sobreviver ao luto e ao crime de não ter partido no lugar da irmã, como a mãe lhe diz que deveria ter acontecido.

Para que Halla deixe de ser invisível a ela mesma, ela tem que deixar de ser a irmã de Sigridur e, como única forma de passar a existir, ela decide permitir que a pessoa que a irmã mais abominava se aproxime dela. Einar, um homem bem mais velho que Halla e com um sutil atraso mental, objeto de risos jocosos e comentários maldosos das irmãs, torna-se aliado da irmã que ainda vive e, juntos, eles lidam com suas próprias dores. Duas almas solitárias e culpadas encontram o alívio uma na outra, de maneira espiritual e carnal.

A história de Halla choca o leitor mais atento, que acompanha o desejo que a pequena mulher de 12 anos tem de sair do estado de não existência enquanto ela deve continuar existindo apesar dela mesma. Mesmo que as paisagens da Finlândia amenizem a dor das personagens e que as palavras de Valter Hugo Mãe, carregadas de poesia, ofereçam ao leitor uma profunda reflexão sobre o medo que mora em todos nós, Halla e sua consternação nos perseguem como nossa própria sombra quando queremos nos livrar dela. A união dos sexos de Halla e Einar, poeticamente, apunhala o leitor e não o deixa procurar por socorro.

Ao descobrir que a nossa humanidade não começa em nós, mas naquele que nos rodeiam, Halla tem que conviver com o peso de não ser e de não ter Sigridur, sua metade. Halla tem que conviver com olhares acusadores e hostis. Ao tentar dividir com o leitor a sua dor, ela nos ensina o que as palavras são as responsáveis por nossas lembranças e por nossas escolhas e que um mundo sem elas não é um lugar para se existir. Halla procura por esse mundo sem palavras e sem lembranças e sem dor, mas tudo que ela encontra é o silêncio gritando de volta para ela, relembrando-a que não há mais volta. Ela tem que ser o que restou dela e que se reerguer de seus farrapos de alma, pois “a solidão é uma ficção de nossas cabeças” e “a beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro”. Halla, assim como nós, não tem escolha. Não podemos nos deixar sós e nem em silêncio. Ele grita e não nos permite esquecer o que somos – seja lá o que isso significa.