sexta-feira, 29 de maio de 2020


Resenha do livro "O TEMPO ENTRE COSTURAS"

Com milhares de cópias vendidas e galardoada com a produção de uma série exibida na Netflix, “O tempo entre costuras”, de Maria Dueñas é um romance histórico daqueles que prendem o leitor do início ao fim. Diferentemente de outras obras do mesmo gênero, “O tempo entre costuras”, misturando personagens reais e ficcionais, traz a história não de uma personagem histórica conhecida, mas da costureira Syra Quiroga, que caiu no rol daqueles heróis que nunca receberam o reconhecimento que mereciam e permaneceram à margem da história.
Aos menos avisados, o romance começa dando a impressão de que será uma história de amor, como tantas outras, em que a mocinha bonita e inocente é enganada e abandonada pelo bonitão sem caráter, se perdendo num mundo cruel, distante da realidade pura vivida por ela até então. Mas aí é que vem a surpresa: a narrativa de Dueñas passa bem longe dessas histórias “clichês”. Syra Quiroga, após ser abandonada, grávida, em Tetuan, com dívidas e sem poder voltar ao país de origem, a Espanha, por conta da guerra civil espanhola, se reconstrói e se reinventa.
De costureira empregada, amante de um canalha, procurada pela polícia, por meio da costura e com uma nova identidade, ela se torna dona de um incrível Ateliê no Marrocos. Em seu ateliê de costura, Syra Quiroga começa a “costurar” fatos e informações, dentro de uma rede de espionagem comandada pelos ingleses, com o intuito de deter a Alemanha de Hitler. Enquanto atende elegantérrimas mulheres de políticos alemães e aprende regras de etiqueta, cultura e finanças com seu leal vizinho Félix, Syra obtém informações relevantes sobre as intenções da Alemanha, provenientes dos maridos dessas mulheres que atende em seu renomado Ateliê.
A obra destaca a beleza e o poder da amizade, pois embora sozinha, Syra conta com a ajuda preciosa das personagens Candelária, Felix, delegado Vasques, Jamila e principalmente de Rosalinda Fox. Diferentemente de Syra, Rosalinda Fox não foi esquecida pela história, já que era bastante conhecida por ser amante de um dos figurões da ditadura de Franco. Mais tarde, descobrimos que Rosalinda é uma das líderes de uma rede de espionagem britânica, da qual Syra passou a fazer parte.
A pensão de Calendária, onde Syra foi acolhida ao começar sua vida em Tetuan é dotada de uma simbologia muito forte na história. Em uma véspera de Natal, Candelária brinda ao “pelotão de infelizes” que moram em sua pensão e aqui se veem traços do movimento literário denominado “tremendismo espanhol”, em que a situação do país, que se encontra em guerra civil, é refletida na caracterização e na desgraça e infelicidade das personagens.
O protagonismo feminino, na obra, seja por meio de Syra Quiroga, Rosalinda Fox, Jamila, Candelária ou qualquer outra, é admirável. Analisando anacronicamente esse romance histórico, o leitor fica fascinado com a coragem daquelas mulheres, que, mesmo em uma época em que a mulher não tinha voz, conseguiam, com bravura, terem suas vozes ouvidas e interferirem positivamente no destino da história mundial.
No decorrer da história, Syra se apaixona por Marcus Logan, que, mais tarde, descobre ser um espião que, como ela, também trabalha para os britânicos. Ao final, não sabemos ao certo os rumos dessa história de amor, mas ficamos encantados e emocionados com a reconstrução e com a força de Syra, que se descobre como uma grande mulher, independentemente de qualquer história de amor!

sábado, 16 de maio de 2020

Resenha da obra "Mulherzinhas", em uma edição fantástica da Planeta de Livros Brasil!


Louisa May Alcott possivelmente não imaginou o impacto que sua obra teria em seus leitores ao longo das décadas. Talvez ela ficasse um pouco curiosa em relação à tradução brasileira de “Little Women”, porque “Mulherzinhas” não representa a força das mulheres da família March, reduzindo-as a mulheres fracas ou apenas a pequenas mulheres. De fracas, as mulheres March não tem coisa alguma e de pequenas mulheres, as meninas têm apenas a idade. Meg, Jo, Beth e Amy são adolescentes em uma época em que meninas de 13 anos deveriam se transformar em mulheres. De certa forma, isso ocorre com elas, e as quatro irmãs também são mulheres-meninas ou meninas-mulheres, o que varia de acordo com o olhar do leitor, em busca de sobrevivência. Entretanto, não são fracas ou pequenas.
“Mulherzinhas” tem personalidade própria e aspirações certeiras. Seu universo literário é repleto de detalhes importantes de uma época dominada pela Guerra Civil e por papéis sociais que deveriam ser cumpridos à risca. Nossas quatro meninas quase fogem à regra da época, mas, antes mesmo da segunda parte do livro, voltam a fazer o que a sociedade lhes impõe – se não de uma forma, de outra – e o que a Guerra lhes permite. O tom da narrativa é simbiótico às irmãs, que, cada uma a seu modo, passam a fazer parte de nossa família enquanto elas existem naquelas linhas. Cada uma das quatro completa um cenário contrastante e colorido, que, às vezes, pode ser sombrio também. No entanto, ao iniciar a obra em uma noite de Natal, o leitor percebe que a esperança permeará as experiências de nossas March.
As quatro irmãs representam as paredes estruturais da obra, com suas personalidades distintas, mas corações unidos. Enquanto Meg sonha em se casar e ter uma família, Jo quer ser uma escritora famosa e independente. Cada uma das mais velhas tem preferência por uma das mais novas: Meg protege Amy, vaidosa, mimada e aspirante à artista, e Jo protege Beth, a mais delicada e altruísta das irmãs. Marmee, a mãe, recusa-se a perder a doçura e seus valores diante das amarguras da vida e funciona como o fio condutor da família, que fica à espera do pai, que ainda não voltou da guerra. Em quaisquer cena
s, no entanto, as quatro irmãs jamais se despedem da esperança. À Beth, cabe ainda o papel da mensagem que a felicidade pode morar onde menos se espera.
O ritmo do livro pode parecer um pouco lento em alguns momentos mais descritivos, porém tais descrições são necessárias para representar o dia a dia de nossas adoráveis mulheres. Um leitor menos atento pode perder momentos preciosos da representação de uma época e de como uma família foi afetada pela Guerra. É no limiar dos detalhes que habita a ternura dentro da força feminina aqui representada pelas irmãs e pela mãe.
É bem provável que cada leitor irá se identificar com uma personagem específica, seja ela uma das irmãs ou Marmee ou Laurie ou o Professor Baher. Também é provável que cada leitor irá identificar, em si ou em algum conhecido, traços do temperamento explosivo de Jo, ou a vaidade pueril de Amy, ou a dependência emocional de Meg, ou o altruísmo, a quietude e a timidez de Beth. Isso acontece porque “Mulherezinhas” não é apenas uma história de época: ela é uma obra que mostra que nossas riquezas residem em nossos corações, em nossas crenças, em nossos sacrifícios e em nossas fontes de felicidade. Na verdade, Alcott não escreveu uma história; ela deu vida a uma ideia e a convenções que são harmoniosamente distribuídas nos arcos de cada irmã e de Marmee e, apesar de não fugir aos padrões de seu tempo, o que a autora proporciona a quem abre as páginas de sua obra-prima é um delicioso caldo quente em uma noite fria de inverno raro.