quarta-feira, 30 de setembro de 2020

 

A eterna menininha de 6 anos perdeu seu pai hoje. Mafalda, ícone das reflexões sobre um mundo melhor, que Quino não conseguiu ver, foi criada em 1964 e teve vida até 1973.

Em apenas 9 anos de existência, Mafalda se imortalizou e se tornou inspiração para muitos outros cartunistas e gerações de pessoas que nem sequer haviam nascido quando ela deixou de existir.

O argentino Quino nunca deixou de lutar por um mundo que ele sonhava para Mafalda e para todos nós. O AVC o tirou do nosso mundo, mas nosso mundo jamais deixará que seu legado seja esquecido. Quino vive em Mafalda, e Mafalda vive em nós.

Como Mafalda questionaria "O que é a morte se não uma continuação daquilo que chamamos de vida? E, afinal, o que chamamos de vida?". Sendo assim, parta em paz, Quino. Sua vida foi uma missão cumprida. A luta continuará. Não se preocupe!!!!!! 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

 

Valter Hugo Mãe, autor nacionalizado português, que completará 49 anos nesta sexta-feira, dia 25 de setembro, tem a escrita de um pássaro que conhece o mundo. Cada um de seus romances tem como pano de fundo um país diferente e um tipo de amor que não se prende apenas ao mundo que conhecemos como ele é. Seus romances nos tocam e se deixam ficar, como cicatrizes em nossas almas, depois de sua leitura. Dos vários que ele já escreveu, “A desumanização” deixa uma marca que levamos para sempre conosco.

Tão dolorosa quanto triste é a história de Halla, criança-mulher de 12 anos, que perde a irmã gêmea, Sigridur, que morreu e foi plantada “para nascer árvore”. Passando a ser invisível para a mãe e para a aldeia finlandesa onde mora, Halla sofre a dor do luto sozinha, apenas com os poemas que o pai escreve para ela e as lembranças da irmã. O que poderia ser uma vida vivida a quatro mãos, duas almas e duas risadas passa a ser meia vida, com andanças por campos e pensamentos no que poderia ter sido, carregando o fardo da culpa de ser a irmã sobrevivente.  

Ao longo da história, enxergamos a aldeia e seus moradores com os olhos de Halla-Sigridur. Halla ainda não consegue ser apenas ela já que, durante toda a sua curta existência, ela era Sigridur e Sigridur era ela. Como gêmeas, uma não existia sem outra, e Halla, repentinamente, deve aprender a existir apesar de suas dores e de sua falta de vontade. Halla, de ser completo que era, passa, então, a se procurar na sua incompletude, encontrando razões para viver onde Sigridur não as via. Essa é a maneira que Halla encontra para existir: abandonando o que ela e a irmã pensavam e faziam juntas. Já que uma se foi, a vida passa a ser o que o passado não era, e Halla encontra formas de se punir para poder sobreviver ao luto e ao crime de não ter partido no lugar da irmã, como a mãe lhe diz que deveria ter acontecido.

Para que Halla deixe de ser invisível a ela mesma, ela tem que deixar de ser a irmã de Sigridur e, como única forma de passar a existir, ela decide permitir que a pessoa que a irmã mais abominava se aproxime dela. Einar, um homem bem mais velho que Halla e com um sutil atraso mental, objeto de risos jocosos e comentários maldosos das irmãs, torna-se aliado da irmã que ainda vive e, juntos, eles lidam com suas próprias dores. Duas almas solitárias e culpadas encontram o alívio uma na outra, de maneira espiritual e carnal.

A história de Halla choca o leitor mais atento, que acompanha o desejo que a pequena mulher de 12 anos tem de sair do estado de não existência enquanto ela deve continuar existindo apesar dela mesma. Mesmo que as paisagens da Finlândia amenizem a dor das personagens e que as palavras de Valter Hugo Mãe, carregadas de poesia, ofereçam ao leitor uma profunda reflexão sobre o medo que mora em todos nós, Halla e sua consternação nos perseguem como nossa própria sombra quando queremos nos livrar dela. A união dos sexos de Halla e Einar, poeticamente, apunhala o leitor e não o deixa procurar por socorro.

Ao descobrir que a nossa humanidade não começa em nós, mas naquele que nos rodeiam, Halla tem que conviver com o peso de não ser e de não ter Sigridur, sua metade. Halla tem que conviver com olhares acusadores e hostis. Ao tentar dividir com o leitor a sua dor, ela nos ensina o que as palavras são as responsáveis por nossas lembranças e por nossas escolhas e que um mundo sem elas não é um lugar para se existir. Halla procura por esse mundo sem palavras e sem lembranças e sem dor, mas tudo que ela encontra é o silêncio gritando de volta para ela, relembrando-a que não há mais volta. Ela tem que ser o que restou dela e que se reerguer de seus farrapos de alma, pois “a solidão é uma ficção de nossas cabeças” e “a beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro”. Halla, assim como nós, não tem escolha. Não podemos nos deixar sós e nem em silêncio. Ele grita e não nos permite esquecer o que somos – seja lá o que isso significa.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020


Esta não é uma história de amor, tampouco é uma história de ódio. Esta é uma história de como o ser humano é complexo e egocêntrico, mesmo quando ele se depara com opções que permitam que ele escolha ser melhor ou simplesmente olhar para fora de si mesmo, a fim de enxergar o outro e de o acolher em sua vida como ele é. Esta é uma história cuja verdade jamais saberemos, pois ela é o que menos importa. Esta é uma das obras-primas do mestre da narração, um homem negro, pobre e epilético, que foi rechaçado por seus colegas contemporâneos de escrita. Esta é a história que Machado de Assis escreveu para mostrar ao mundo o poder das palavras e do olhar. Esta é “Dom Casmurro”.

Há mais de cem anos, Machado de Assis não imaginava o poder que sua Capitu e que seu Bentinho exerceriam sobre milhares e milhares de leitores. Machado de Assis partiu deste mundo sem saber que a pergunta “Traiu ou não traiu?” seria um divisor de águas. Por ser um gênio da literatura e um leitor de almas, Machado de Assis escreveu aquilo que se transformou em infindáveis discussões, até mesmo nos lugares mais improváveis, como bares e esquinas. Capitu, a dona do olhar de cigana dissimulada, ainda povoa mentes curiosas e divide o palco anímico com o eterno menino Bento, dono de pensamentos sórdidos, mas de palavras sábias.

A grande obra machadiana faz com que o leitor encontre motivos dentro dela mesma para  uma verdade em que ele já acredita ou, ainda, preza ou despreza. Nenhuma personagem machadiana nesse livro é isenta de culpa – seja ela do que for – ou de maldades, mesmo que disfarçada de promessas feitas em nascimentos ou recusa de amor ou pequenas mentiras. O leitor, ao perceber isso, costura sua tese como uma colcha de retalhos e prova sua teoria com trechos daqui e de acolá. “Dom Casmurro” é uma porta aberta para todos nós e para nossas crenças mais profundas, com a aparência de uma simples opinião.

O “triângulo amoroso” mais famoso do Brasil apenas guia o leitor pelo caminho da imaginação porque o narrador, o próprio Bentinho, faz de suas palavras grandes aliadas. Ao dedicar capítulos curtos, porém completos, a um diálogo com os leitores, principalmente as femininas, Bento mostra sua gentileza e sua fragilidade, evidenciando seu lado vulnerável, que o mundo destruiu friamente com uma arma chamada mulher. Capitu, aos olhos de Bentinho, torna-se, portanto, alguém-objeto, forte, dissimulada e inteligente, capaz de tudo para satisfazer seus desejos, considerando-se dona de suas vontades, não olhando para fora si e machucando aqueles que cruzam seu caminho. Escobar é visto como o efeito colateral de uma amizade e de uma suposta paixão avassaladora, que até depois de sua morte assombra o amigo, com um fruto de nome Ezequiel.

“Dom Casmurro” parece ser a história de um amor que não deu certo, que foi corrompido por uma traição e alimentado por um ciúme ironicamente racional. Na verdade, esse é apenas o pano de fundo para que o leitor adentre sua própria alma, sem se sentir coagido ou amedrontado. A (suposta) traição nunca foi o cerne real da história. Ao fazer suas escolhas diante do enredo machadiano, o leitor tem que lidar com seus medos, suas inseguranças, suas crenças e sua percepção do mundo e das pessoas que o cercam. O leitor se encontra nas páginas extremante cuidadosas dessa obra. “Dom Casmurro” oferece ao leitor uma passagem de ida ao descobrimento de suas forças motrizes e de seus amortecimentos, de maneira implacável e única.  Há apenas uma sequela dessa leitura: enquanto o caminho para ir a esse encontro é percorrido ladeira abaixo em uma manhã fresquinha, a volta ocorre no fim de um dia de caminhada árdua, embaixo de um sol escaldante, sem água e sem uma sombra sequer. Quem lê “Dom Casmurro” nunca mais é aquele que não o havia lido...

 

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