segunda-feira, 26 de outubro de 2020

 

De maneira diferente da de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft também entra na alma e no estado psíquico do leitor. Considerado um dos reis do terror, Lovecraft sabe como fazer o leitor questionar a realidade do seu universo literário.

Com contos pertencentes ao gênero fantástico, Lovecraft faz de “O chamado de Cthuluhu” uma de suas obras-primas. No livro que traz este conto como título e ainda entrega doses aterrorizantes em alguns outros, o leitor pode experimentar um frio na espinha e aquele pequeno medo que nos acompanha quando lemos algo que nos leva ao desconhecido.

Por descrever apenas descobertas que não são palpáveis ou concretas, Lovecraft faz o leitor se cobrir à noite e não abrir os olhos por medo de encarar alguns dos monstros ou ideias que estavam nos contos. O desconhecido sempre assusta, mas Lovecraft o faz imensurável e sempre presente.

Seja por ousadia ou ignorância, as personagens de Lovecraft sempre se deparam com o inexplicável, e o narrador deixa o leitor em uma angústia que o persegue até depois da leitura. Nos sete contos deste livro, o leitor acompanha as personagens, suas dúvidas e suas reações diante do terror cósmico que lhes é apresentado.

Alguns dos contos – os mais curtos – parecem ser mais assustadores. Talvez isso ocorra devido à intensidade que o narrador lovecraftiano deposita em suas palavras. Entretanto, é o mais longo e mais clássico deles, que intitula o livro, que foi a sua porta de entrada para o mundo onde reinam nomes como Stephen King e Edgar Allan Poe.

Assim como sua inspiração foi Poe, Lovecraft tornou-se inspiração para vários outros autores de livros de terror e diretores de filmes do mesmo gênero: sua atmosfera claustrofóbica e cosmicamente sombria deixou como herança o medo que não sabemos de onde vem e que, quando percebemos, invade nossos corpos e tira nosso sono. Lovecraft não é para muitos, mas os que o leem com mente aberta e luzes acesas, geralmente, o amam.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

Renegado pelo pai adotivo e alcoólatra inveterado, Edgar Allan Poe possivelmente também sofria de doenças mentais que, na época, não foram tratadas e nem sequer descobertas. Sua vida, permeada pela tragédia e pelos finais infelizes, é objeto de curiosidade e geralmente ligada à sua obra por vários estudiosos. A maldade encontrada em sua obra é atribuída, por muitos, ao seu frágil estado mental, que se deteriorou muito rapidamente devido à bebida. Edgar Allan Poe é o epíteto de uma alma atormentada e do poder literário que ela pode ter.

Em meio a tantas histórias de horror e de terror, o que mais assombra nos contos de Poe é o fato de todos mostrarem que a maldade humana não é apenas possível, mas que, em algum momento, pode se transformar em algo natural também. Seus mais famosos contos trazem personagens que foram emparedados vivos, ou que foram mortos devido a um olho com catarata, ou que sofreram a vingança de um suposto amigo, ou que foram enterrados vivos, ou que se tiveram seus dentes arrancados a marteladas, ou que talvez tenham cometido incesto. As mulheres de seus contos nunca são saudáveis e sempre levam o homem a algum tipo de loucura ou crime, cometido no calor de uma situação ou depois de muito tempo sendo assombrados por ideias oníricas.

Seus poemas também trazem o tormento da alma e não permitem que o leitor os termine sem aquela sensação de ter o coração afundando ou de sentir arrepios na espinha. “O corvo” transformou-se em uma ode à angústia e ao medo e, juntamente com “Annabel Lee”, traz ao leitor um outro lado de Poe, mas que não é menos aterrorizante que o Poe das narrativas. Os contos “O gato preto” e “O coração denunciador” – também encontrado como “O coração delator” – sussurram ao leitor a dor sentida por um autor que jamais foi compreendido e que, por isso, tornou-se um gênio da escrita e da crueldade.

Aos 40 anos, Poe deixou o mundo e um legado: histórias que jamais seriam esquecidas por sua perversidade e pelo efeito duradouro que elas causam em seus leitores. Ao partir, Poe levou com ele toda a dor que ele carregou durante a sua vida, mas não sem antes macular o mundo com a sua ideia de que o ser humano não tem salvação e que o amor, quando existe, faz com que adoeçamos. Se Poe o tivesse encontrado, hoje, talvez, não teríamos as mais bem escritas histórias de terror psicológico do século XIX. Entretanto, isso é apenas uma especulação, pois Edgar Allan Poe já está no inconsciente coletivo, com todas as nuances da maldade humana, que variam de uma machadada na cabeça a uma na alma, sendo igualmente destruidoras. Jamais saberemos o que teria sido dele se ele tivesse sido realmente amado...

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 

Escrito por Lucy Montgomery, em 1908, que baseou suas linhas vagamente na história real de um casal de irmãos que queria adotar um menino, mas que, por engano, recebeu uma menina, “Anne de Green Gables”, até hoje, encanta leitores de todas as idades. Tido como leitura infantojuvenil escolar obrigatória no Canadá e em várias partes do mundo, o livro apenas ganhou notoriedade no Brasil com a sua adaptação para a série de três temporadas da Netflix, que levou o título de “Anne with an E”, que é como a órfã se apresenta a todos. O motivo de o título ser esse é que histórias de crianças órfãs, clichês, no Canadá, são chamadas de  “Histórias de Ann”. Essa Anne, no entanto, é completamente diferente, e suas aventuras e histórias são únicas. Seu nome não poderia ser diferente e teve a letra acrescentada.

Anne Shirley é adotada por Marilia e Matthew Cuthbert por engano, pois ambos, solteiros e idosos, gostariam de um menino para ajudá-los a cuidar das terras que possuem. Matthew se encanta por Anne desde o início apesar de sua personalidade e da de Anne serem opostas. Marilia, a princípio arredia à ideia de manter uma menina tão falante e tão vivaz quanto Anne, acaba cedendo aos apelos do irmão e não se arrepende: é Anne que tira o morno de sua vida e lhe traz alegrias e uma nova visão sobre a vida. Aliás, é Anne que devolve a vida aos dois, já que eles apenas sobreviviam, e não viviam, antes de sua chegada.

Anne, que não conhecia o amor incondicional – tampouco o amor em si – recebe dos irmãos o mais puro sentimento do mundo e o retribui de todas as formas. Por ser uma menina de alma inquieta, porém angelical, Anne acaba por se encontrar como pessoa na fictícia Avonlea, onde faz amigos com facilidade e dá vazão a toda sua generosidade, imaginação e potencial de inteligência reflexiva. Anne pode ter sido órfã até que seu caminho cruzasse com o de Matthew e de Marilia, mas o contrário também é verdadeiro. São os dois que são adotados pelo amor, pela alegria e pela devoção de Anne.

De suas muitas aventuras ainda pueris e inconsequentes, o que se tira de mensagem é a leveza que uma alma leve e antiga carrega consigo. A de Anne é ambas as coisas e se torna contagiante. Sua fala rápida, divertida, dramática e única tornam-se uma constante na vida de seus vizinhos, de seus amigos e daqueles que ela tem como pais e como exemplo. Assim como acontece na vida real, Anne, com todo o seu coração, também se transforma em exemplo com suas atitudes originais e críticas, porém repletas de pureza e de generosidade, e, em pouco tempo, cativa o leitor com um perfume que tem a fragrância da bondade, do altruísmo e da gratidão.  

“Anne de Green Gables” é o primeiro livro da série “Anne” e ele deixa o leitor com vontade de ter dado as mãos à sua protagonista e se aventurado pelos campos e pela escola de Avonlea. O leitor sorri em cada linha e, se porventura, seu coração estiver um pouco pesado devido às agruras do dia a dia, ele sentirá como se um anjo fosse substituindo esse pesar por uma esperança quentinha e gostosa, encontrada em tardes ensolaradas de primavera. Esse é o efeito Anne em todos aqueles que querem o Bem sempre ao seu lado.