sábado, 16 de maio de 2020

Resenha da obra "Mulherzinhas", em uma edição fantástica da Planeta de Livros Brasil!


Louisa May Alcott possivelmente não imaginou o impacto que sua obra teria em seus leitores ao longo das décadas. Talvez ela ficasse um pouco curiosa em relação à tradução brasileira de “Little Women”, porque “Mulherzinhas” não representa a força das mulheres da família March, reduzindo-as a mulheres fracas ou apenas a pequenas mulheres. De fracas, as mulheres March não tem coisa alguma e de pequenas mulheres, as meninas têm apenas a idade. Meg, Jo, Beth e Amy são adolescentes em uma época em que meninas de 13 anos deveriam se transformar em mulheres. De certa forma, isso ocorre com elas, e as quatro irmãs também são mulheres-meninas ou meninas-mulheres, o que varia de acordo com o olhar do leitor, em busca de sobrevivência. Entretanto, não são fracas ou pequenas.
“Mulherzinhas” tem personalidade própria e aspirações certeiras. Seu universo literário é repleto de detalhes importantes de uma época dominada pela Guerra Civil e por papéis sociais que deveriam ser cumpridos à risca. Nossas quatro meninas quase fogem à regra da época, mas, antes mesmo da segunda parte do livro, voltam a fazer o que a sociedade lhes impõe – se não de uma forma, de outra – e o que a Guerra lhes permite. O tom da narrativa é simbiótico às irmãs, que, cada uma a seu modo, passam a fazer parte de nossa família enquanto elas existem naquelas linhas. Cada uma das quatro completa um cenário contrastante e colorido, que, às vezes, pode ser sombrio também. No entanto, ao iniciar a obra em uma noite de Natal, o leitor percebe que a esperança permeará as experiências de nossas March.
As quatro irmãs representam as paredes estruturais da obra, com suas personalidades distintas, mas corações unidos. Enquanto Meg sonha em se casar e ter uma família, Jo quer ser uma escritora famosa e independente. Cada uma das mais velhas tem preferência por uma das mais novas: Meg protege Amy, vaidosa, mimada e aspirante à artista, e Jo protege Beth, a mais delicada e altruísta das irmãs. Marmee, a mãe, recusa-se a perder a doçura e seus valores diante das amarguras da vida e funciona como o fio condutor da família, que fica à espera do pai, que ainda não voltou da guerra. Em quaisquer cena
s, no entanto, as quatro irmãs jamais se despedem da esperança. À Beth, cabe ainda o papel da mensagem que a felicidade pode morar onde menos se espera.
O ritmo do livro pode parecer um pouco lento em alguns momentos mais descritivos, porém tais descrições são necessárias para representar o dia a dia de nossas adoráveis mulheres. Um leitor menos atento pode perder momentos preciosos da representação de uma época e de como uma família foi afetada pela Guerra. É no limiar dos detalhes que habita a ternura dentro da força feminina aqui representada pelas irmãs e pela mãe.
É bem provável que cada leitor irá se identificar com uma personagem específica, seja ela uma das irmãs ou Marmee ou Laurie ou o Professor Baher. Também é provável que cada leitor irá identificar, em si ou em algum conhecido, traços do temperamento explosivo de Jo, ou a vaidade pueril de Amy, ou a dependência emocional de Meg, ou o altruísmo, a quietude e a timidez de Beth. Isso acontece porque “Mulherezinhas” não é apenas uma história de época: ela é uma obra que mostra que nossas riquezas residem em nossos corações, em nossas crenças, em nossos sacrifícios e em nossas fontes de felicidade. Na verdade, Alcott não escreveu uma história; ela deu vida a uma ideia e a convenções que são harmoniosamente distribuídas nos arcos de cada irmã e de Marmee e, apesar de não fugir aos padrões de seu tempo, o que a autora proporciona a quem abre as páginas de sua obra-prima é um delicioso caldo quente em uma noite fria de inverno raro.

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